segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Ponto Final



Andar de ônibus é um saco. De verdade. É chato pra caramba ficar esperando no ponto; passam todos os ônibus do universo, menos o que você precisa pegar (inclusive, algumas vezes, o que faz o caminho inverso do seu passa duas vezes seguidas só pra sambar na sua cara). A maioria dos motoristas não é legal e você corre o risco de cair feio a cada curva se não segurar com suas puras mãos naqueles ferros sebosos... enfim, de fato é um saco!

Mas não sou um cruel e ingrato malfeitor que está aqui cuspindo no prato e esculhambando gratuitamente o meio de transporte que me conduz todos os dias ao meu trabalho. Pelo contrário. Há tempos que paro pra observar as vantagens de utilizar diariamente o “coletivo” para ir e vir, e uma delas, se você prestar atenção, é maior do que qualquer das chatices descritas no primeiro parágrafo. (E olhe que quando o 303 passa duas vezes eu fico pra morrer)

Mas, voltemos aos bônus. Tenho percebido nos últimos tempos que não há melhor lugar para se perceber e observar o ser humano do que em um transporte coletivo. E digo observar me referindo aos melhores sentidos da palavra. É muito rico. E chega a ser inspirador.

Pra começo de história, você nunca para pra pensar no tanto de gente que tem nesse mundo “correndo atrás” para que sua vida melhore até está espremido dentro de um ônibus com num sei quantas pessoas que estão indo trabalhar e/ ou estudar prontinhas, alimentadas e de banho tomado antes das 7h30 da manhã (sem falar nos que pegam ônibus mais cedo).

Então você vê uma mãe que se desdobra pra se equilibrar com um bebê no colo e outro filho do lado até chegar ao próximo assento vago, talvez ela precise se equilibrar por um bom tempo, porque não é todo mundo que está disposto a ajudar e a ceder o seu lugar de conforto. E, talvez ainda, aquele equilíbrio seja só uma metáfora de toda a vida daquela mulher que precisa atravessar todos os dias uma corda bamba para dar conta (quem sabe sozinha) de duas crianças.

E aquele idoso que mostra uma força impensável naquele arranco abrupto sem sequer “cambaliar”? Talvez já tenha levado muitos sopapos no auge de sua experiência de vida, e não é qualquer lombadinha que o faz perder o prumo. Ele até aceita o assento gentilmente oferecido por aquele estudante que sabe que vai precisar enfrentar ainda muitos caminhos tortuosos e não tem medo de encará-los de pé, mas se precisar, o idoso não teme também seguir aquele caminho no modo mais difícil.

Não podemos nos esquecer daquela jovem com olhar vazio que ouve alguma música preferida em seu fone de ouvido, naquele que é talvez o único período do dia que ela possa fazer aquilo. Talvez por isso o olhar se mostre um pouco perdido, procurando no espaço algo que faça aquela bendita cabeça esquecer as mil tarefas que vai fazer ainda pela manhã.

Alguns olhos se escondem zangados por trás de lentes escuras. Não tem sol, parece até que está nublado, mas os olhos não estão com vontade de ver a cara de ninguém naquele momento (eles vão ser obrigados a fazer isso por oito longas horas de trabalho atrás de um balcão, agora eles só querem descansar).

O intervalo entre uma parada e outra às vezes não é suficiente para colocar o assunto em dia. Aquele é o único espaço em que aquelas amigas se encontram. E o trânsito parado torna-se um agrado, porque são mais alguns segundos de conversa acolhedora e de boas risadas com alguém tão querido que, com a correria, não se pode encontrar com tanta freqüência.

E a volta? Olhos que mal conseguem se segurar e que não vêem a hora de chegar em casa e finalmente descansar. Olhos preocupados com o adiantado da hora, porque sabem que ainda há em casa muito a ser feito antes que eles possam chegar ao seu merecido descanso. Vez por outra também aparecem aquelas velhas conhecidas: as sacolas! Um tanto abarrotadas, entram pela porta de trás e levam pra algum lugar o fruto do suor de alguém, com a intenção de alimentar os frutos do amor desta mesma pessoa.

De verdade. Quando a gente para e percebe que por aquele letreiro com números e o nome de um lugar passam todos os dias incontáveis histórias de vida, o “passeio” acelerado e corrido naquele carro grande se torna até divertido.

Mas antes do ponto final, a gente não pode esquecer de mencionar um detalhe: com toda dificuldade de se equilibrar, com todos os obstáculos que as vezes tiram do chão, com todo cansaço, ou qualquer coisa que seja, aquelas pessoas continuam se movendo. E é bom quando você vê que se move junto com elas.

Obstáculos existem pra todos. Se você se apertar e se atrever, vai encontrar sim um lugar onde possa se amparar, embora pareça que não. Algumas vezes é preciso ceder seu conforto para alguém que naquele instante precisa mais dele do que você. E, ainda, por mais que algumas pessoas cheguem ao seu destino antes que você, é só segurar firme mais um pouquinho, lá na frente é teu ponto, e toda dificuldade do caminho não vai te impedir de chegar onde quer.

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